Prof.
Dr. Valter Machado da Fonseca**
“Viver e não ter a
vergonha de ser feliz. Cantar! Cantar e cantar! A beleza de ser um eterno
aprendiz. [...] e a pergunta roda. E a cabeça agita: eu fico com a pureza da
resposta das crianças: é a vida, é bonita e é bonita!” (Gonzaguinha).
Ao analisarmos a
letra da canção de Luiz Gonzaga Junior, o Gonzaguinha, várias inquietações nos
vêm à mente. A canção nos remete a indagações como: por que o brasileiro
consegue sobreviver com este salário mínimo? Qual é o jeitinho brasileiro? Por
que o brasileiro é tão criativo? Quando nos vêm à mente estas indagações,
lembramo-nos das dificuldades pelas quais passa o nosso povo. Lembramo-nos das
enchentes que destroem, num piscar de olhos, tudo que famílias inteiras
construíram durante todas suas vidas. E, o mais interessante é que eles não
desanimam, estão dispostos a recomeçar do zero. Aí, surge a pergunta que
sintetiza tudo isso: de onde vem a imensa força de superação de nosso povo?
Mas, para tentarmos
entender esse “mistério” é preciso filosofar. Filosofar sobre a vida. Filosofar
sobre as concepções de vida e de mundo. Filosofar sobre este modelo de
sociedade reducionista. Uma sociedade que reduz “o tudo” ao “quase nada”. Ao
analisarmos os discursos dos poderosos, dos chefes de Estado, dos governantes
do mundo e da sociedade, observamos que tais discursos são carregados de coisas
complexas, de palavras bonitas, de “boas intenções”, de “verdades” supostamente
neutras. Mas, se analisarmos as entrelinhas de tais discursos o vazio do “não
dito”, como diria Michel Foucault, verificamos que, ao contrário do que nos
aparentam à primeira vista, eles são encharcados de intenções, de
dissimulações, de armadilhas. São discursos que banalizam as relações humanas,
que reduzem o importante à superfluidade, a alegria à tristeza, a bondade à
maldade, a simplicidade à perversidade, as boas intenções à ruína. Aliás, “de
boas intenções o inferno está repleto”.
Na verdade, em nome
da felicidade humana, o aparato discursivo dos grandes governantes da
humanidade defende, em última instância, a mediocridade da ganância, da mais
valia (lucro) e da exploração do homem e dos recursos do planeta. Para eles, a
felicidade se reduz ao lucro dos banqueiros, dos grandes grupos econômicos
agentes da exploração do homem pelo próprio homem. Que felicidade é essa,
afinal?
Agora, quando
analisamos o discurso dos “de baixo”, como diria o nosso saudoso Paulo Freire,
dos despossuídos, dos dizimados, dos invadidos, dos “demitidos da vida”, dos
“esfarrapados do mundo”, enfim, o discurso do “povão”, verificamos que os
parâmetros, as verdades, os valores são outros. Eles não se preocupam com a
complexidade do mundo, mas sim com a simplicidade das coisas do mundo. Eles se
preocupam em viver o momento presente e não em arquitetar projetos mirabolantes
para o futuro. A felicidade para o nosso povo se reduz à simplicidade do mundo
e das coisas belas e boas do mundo. Eles se contentam e são felizes com o
churrasco na laje nos fins de semana, em curtir o samba, o pagode, em “fazer
amor”, não importa a hora. Não se preocupam com as convenções e com a estética
hipócrita. Constroem sua cultura nas lacunas do sofrimento do dia a dia, no
cotidiano simples e sofrido de suas vidas. A vida, para eles, é constituída da
soma de pequenos momentos felizes. É por isso que eles enfrentam, de peito
aberto, o sofrimento e as atrocidades que marcam o cotidiano de suas
existências. E, por isso, eles são felizes, mesmo na mais completa adversidade.
A vida para essas pessoas se resume na simplicidade das coisas mais simples,
singulares, belas e não na complexidade dos discursos dos opressores. Esta é a
chave do nosso “mistério”.
Por isso, concordo com o grande
Gonzaguinha: ninguém quer a morte, só saúde e sorte. [...] eu fico com a pureza
da resposta das crianças! É a vida! E, ela é bonita, é bonita e é bonita! Por
isso, o mais sublime e importante é viver e não ter a vergonha de ser feliz!
** Escritor. Geógrafo, mestre e doutor pela
Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pesquisador da temática “Energia e
Interações complexas nos ecossistemas terrestres”. Professor do curso de
graduação em Engenharia Ambiental e do Programa de Mestrado Acadêmico em
Educação da Universidade de Uberaba (UNIUBE).
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