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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

CERRADO: A CAIXA D’ÁGUA DA AMÉRICA DO SUL ESTÁ SECANDO

Foto: Nascente do São Francisco     Fonte: Arquivo V. M. Fonseca (2011)

Foto: Nascente do São Francisco     Fonte: Arquivo V. M. Fonseca (2011)

Foto: Nascente do São Francisco     Fonte: Arquivo V. M. Fonseca (2011)

Foto: Nascente do São Francisco     Fonte: Arquivo V. M. Fonseca (2011)



Prof. Dr. Valter Machado da Fonseca*
O cerrado brasileiro é um dos biomas mais antigos do mundo. Suas fitofisionomias são o resultado da combinação de uma série de fatores que evoluíram ao longo do tempo geológico em função de condições climáticas adversas, as quais alternavam períodos extremamente secos, seguidos por períodos extremamente chuvosos. Então, as formações climáticas que incidiram sobre as condições evolutivas do cerrado compreendiam épocas de clima úmido e quente com fases de clima quente e seco.
É importante salientar que os estudos sobre o bioma cerrado têm demonstrado que o ecossistema apresenta peculiaridades e particularidades que fazem dele um ambiente ímpar, que demonstra grande estabilidade, pois, é resultante de um processo evolutivo determinado por condições especiais de pluviosidade, temperatura, características geomorfológicas e condições climáticas, ao longo de um amplo período geológico (estimado em milhares de anos) que o fazem um ambiente ímpar, diferente dos demais ecossistemas brasileiros.
Por ser um bioma altamente especializado e adaptado às adversidades climáticas com grandes amplitudes térmicas, sua vegetação, solos, relevo, enfim suas particularidades deram as condições favoráveis para a acomodação de grandes aquíferos subterrâneos além das condições necessárias para a formação de importantes corpos d’água de superfície (rios) e configuração de relevantes bacias hidrográficas. Estas condições especiais do cerrado fizeram dele a grande caixa d’água do continente sul americano. Das doze maiores bacias hidrográficas da América do Sul, dez atravessam o cerrado brasileiro e dessas dez, oito possuem seus principais rios nascendo no interior do bioma. Isto sem mencionar o aquífero Guarani, um dos maiores reservatórios de águas subterrâneas confinadas do mundo.
A política agrícola traçada para a ocupação do cerrado brasileiro fez do bioma a grande cobaia da indústria agroquímica e seus experimentos visando à produção de insumos agrícolas, agrotóxicos, pesticidas e herbicidas. Isto, combinado com as estratégias de ocupação do bioma, levou a práticas extremas de desflorestamento de sua vegetação original, destruição das áreas de nascentes e recargas de rios e aquíferos, queimadas para a abertura de pastagens e plantio de monoculturas de exportação. Este conjunto de fatores vem afetando o bioma cerrado desde os anos de 1960, levando-o ao declínio total. Por se tratar de um ecossistema que já atingiu seu clímax evolutivo, o cerrado pode ser considerado, atualmente, um bioma já em estágio de extinção praticamente definitivo. O desequilíbrio socioambiental do bioma já atingiu um estágio de não retorno.
Diante dessa série de impactos socioambientais, as condições de preservação e conservação dos aquíferos e de seus principais corpos d’água de superfície também acompanham o processo de extinção do cerrado. As pesquisas científicas mais sérias demonstram que o rebaixamento do níveis dos lençóis e dos aquíferos subterrâneos, uma vez consolidados, sob estas condições de forte agressão ambiental, não voltam a atingir seus níveis normais de produção de água. Estas evidências nos levam a afirmar que com a extinção do bioma cerrado e a perda total de suas particularidades e peculiaridades, a grande caixa d’água do continente sul americano está literalmente secando. As águas do bioma cerrado, definitivamente, estão migrando para localidades e áreas onde podem fluir de forma natural sem as condições de desequilíbrio ambiental impostas ao, outrora imponente, bioma do Sudeste e planalto central do Brasil.     


* Escritor. Geógrafo, mestre e doutor pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professor e pesquisador da Universidade de Uberaba (UNIUBE). Membro e líder do grupo de pesquisas “Energia e Interações Complexas nos Ecossistemas Terrestres (GEICET) – UNIUBE/CNPq.

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