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quarta-feira, 16 de abril de 2014

Catástrofe climática ameaça desalojar milhões

Fonte: The New York Times (2014)
Por NTV
Quando uma poderosa tempestade destruiu sua casa ribeirinha em 2009, Jahanara Khatun perdeu mais que um teto sobre a cabeça. Depois da tragédia, seu marido morreu e ela ficou tão necessitada que vendeu o filho e a filha para um esquema de trabalho escravo. E ela pode perder ainda mais.
Khatun hoje vive em um barraco de bambu em Dakope, Bangladesh (na foto), que fica abaixo do nível do mar e a 46 metros de uma margem de rio. Ela passa seus dias recolhendo esterco de vaca para usar como combustível e na luta para fazer com que os vegetais que planta não morram em um solo contaminado pelo sal da água do mar.
Os estudiosos do clima preveem que esta região será inundada com o aumento dos níveis marítimos e a intensificação das tempestades -- um ciclone ou outro desastre semelhante pode facilmente colocar abaixo tudo o que Khatun conseguiu reconstruir. Mas ela está tentando se segurar pelo menos enquanto dá, sendo uma das milhões de pessoas que estão com os dias contados vivendo em um país ameaçado pelas mudanças climáticas.
Um dos itens mais preocupantes de um relatório apresentado em um encontro de cientistas em Yokohama, Japão, é a previsão de que os níveis dos mares no mundo podem subir até um metro até 2100. Os mares mais altos e o clima alterado motivarão profundas transformações.
Os cientistas concluíram que a queima generalizada de combustível fóssil libera gases de efeito estufa que estão aquecendo o planeta. Entre os mais alarmantes efeitos deste processo está o derretimento da maior parte do gelo existente nos polos do planeta e o aumento dos níveis marítimos, o que deve alagar regiões costeiras.
Este aumento não será proporcional devido aos efeitos gravitacionais e à intervenção humana, então prever os resultados será difícil, seja onde for. Mas regiões como as ilhas Maldivas, Kiribati e Fiji quase que certamente perderão muito do seu território, deixando milhões de desalojados.
“Há muitos lugares ameaçados no mundo, mas Bangladesh está no topo da lista”, disse o professor Rafael Reuveny, da Universidade de Indiana, em Bloomington. “O mundo não está preparado para lidar com estes problemas.” Os efeitos das mudanças climáticas geraram um sentimento de revolta nas nações em desenvolvimento, muitas das quais contribuíram pouco para a poluição que está ligada ao aumento das temperaturas e níveis marítimos, mas sofrerão as piores consequências.
Em uma conferência climática realizada em Varsóvia, Polônia, em novembro do ano passado, houve um emocionado desabafo de países que enfrentam as ameaças, entre eles Bangladesh, que produz apenas 0,3% das emissões de carbono que levam às mudanças climáticas. Alguns líderes exigiram que as nações ricas compensem as pobres por terem poluído a atmosfera. Uns chegaram a dizer que as nações desenvolvidas deveriam abrir suas fronteiras para imigrantes desalojados pelas mudanças climáticas.
“É uma questão de justiça global”, disse Atiq Rahman, diretor-executivo do Centro Avançado de Estudos de Bangladesh e principal cientista de clima do país. “Estes imigrantes deveriam ter o direito de se mudar para os países de onde estas emissões de gases de efeito estufa vieram. Milhões de pessoas deveriam ser recebidas pelos Estados Unidos”.
Os deltas de rios de todo o mundo estão particularmente vulneráveis aos efeitos do aumento dos mares e cidades mais desenvolvidas como Londres, Veneza e Nova Orleans também têm futuro incerto. Mas são os países mais pobres e com as maiores populações que devem sentir os piores efeitos e nenhum mais que Bangladesh, uma das nações mais densamente povoadas do mundo. Neste delta, feito de 230 rios e riachos, 160 milhões de pessoas vivem em um espaço que equivale a um quinto do tamanho da França e é achatado como um chapati, o pão local servido em quase todas as refeições.
Mesmo que Bangladesh tenha contribuído pouco com a poluição industrial do ar, outros tipos de degradação ambiental tornaram o país especialmente vulnerável. Bangladesh depende quase que exclusivamente de fontes subterrâneas para o suprimento de água potável porque os rios são poluídos demais. O bombeamento resultante faz com que a terra se assente. Desta forma, com o aumento dos níveis dos rios, as cidades de Bangladesh estão afundando, aumentando o risco de enchentes. As barreiras marítimas mal construídas aumentam ainda mais o problema.
Os cientistas que tratam do clima no país concordam que até 2050 o nível dos mares subirá a ponto de inundar 17% do território e desalojar 18 milhões de pessoas, declarou Rahman. Para piorar, muito do que o governo de Bangladesh tem feito para adiar o dilúvio que deve vir – erguer barreiras, drenar canais, bombear água – aprofunda a ameaça de inundação no longo prazo, disse John Pethick, um antigo professor de Ciência Costeira na Universidade de Newcastle, na Inglaterra, que passou boa parte da aposentadoria estudando o caso de Bangladesh. As nações ricas não são as únicas culpadas, disse ele.
Em uma análise das décadas de recordes nos níveis marítimos publicada em outubro, Pethick descobriu que a alta das marés em Bangladesh era 10 vezes mais rápida que a média global. Ele previu que os mares em Bangladesh podem subir mais de 4 metros até 2100, quatro vezes mais que a média global. Em uma região na qual a terra geralmente é uma fina linha marrom entre o céu e o rio – cerca de um quarto de Bangladesh está menos de dois metros e meio acima do nível do mar – um aumento destes terá consequências terríveis, disse Pethick. “A reação das autoridades do governo local tem sido me dizer que eu tenho de estar errado”, afirma. “Isto é perfeitamente compreensível, mas também significa que eles não têm esperança de se preparar.”
Rahman disse que não discorda das descobertas de Pethick, mas que nenhuma estimativa é conclusiva. Outros cientistas já previram aumentos mais tímidos. Por exemplo, Robert E. Kopp, da Universidade de Rutgers, declarou que estimativas da região próxima de Calcutá, na Índia, sugerem que os mares subirão só entre 1,5 a 2 metros até 2100.
“Não há dúvida de que as preparações em Bangladesh têm sido muito inadequadas, mas qualquer coisa está fadada a fracassar porque o problema é grande demais para um governo só”, diz Tariq A. Karim, embaixador de Bangladesh na Índia. “Precisamos de uma solução regional e, ainda melhor, uma solução global. E se nós não conseguirmos uma logo, o povo bangladeshi vai logo se transformar em um problema mundial, porque nós não seremos capazes de contê-lo.” Karim estima que até 50 milhões de moradores vão fugir do país até 2050 se os níveis do mar subirem como o esperado.
A pobreza de pessoas como Khatun faz delas particularmente vulneráveis às tempestades. Quando o ciclone Aila castigou o país, Khatun estava em casa com o marido, seus pais e quatro crianças. Uma encosta próxima desmoronou e toda a lama e o bambu veio com a água. Incapaz de salvar seus pertences, Khatun colocou as crianças mais novas nas costas e, com o marido, enfrentou a água da enchente para chegar a uma estrada mais alta. Seus pais foram arrastados pela inundação. “Depois de um quilômetro, consegui me agarrar em uma árvore”, disse Abddus Satter, pai de Khatun. “E eu consegui ajudar minha mulher a agarrar uma também. Ficamos agarrados à arvore por horas.”
O casal conseguiu depois ir até o teto de um barraco próximo. A família se encontrou na estrada no dia seguinte, depois que as crianças passaram uma cansativa noite desviando das cobras que também procuravam a terra mais alta. Eles beberam água da chuva até que equipes de resgate chegaram um ou dois dias depois com água potável, comida e outros suprimentos.
O sacrifício foi muito duro para o marido de Khatun, cuja saúde deteriorou-se com rapidez. Para pagar por seu tratamento e pelo custo de reconstruir seu barraco, a família pegou dinheiro emprestado de um agiota. Em contrapartida, Khatun e seus três filhos mais velhos, então com 10, 12 e 15, prometeram trabalhar por sete meses em uma olaria próxima. Ela depois vendeu seus filhos de 11 e de 13 anos para o dono de uma outra olaria, esta de Dhaka, por US$ 450 (R$ 990) para pagar mais dívidas. O marido morreu quatro anos depois da tempestade.
Em uma entrevista, um dos seus filhos, Mamun Sardar (na imagem), hoje com 14 anos, disse que trabalhou do nascer ao pôr-do-sol carregando tijolos recém-fabricados para o forno. Ele disse que sente saudades da mãe, “mas que ela vive longe demais”. Discussões sobre os efeitos das mudanças climáticas no delta do Ganges geralmente se transformam em eventos comunitários. Na aldeia de Choto Jaliakhali, onde Khatun vive, dezenas de pessoas disseram que podiam notar o aumento do rio. Muitas disseram que ficaram empobrecidas pela erosão, que custou a muitos dos seus habitantes sua terra.
Muhammad Moktar Ali disse que ele não podia pensar sobre a próxima tempestade porque tudo o que tem no mundo é sua cabana e o vilarejo. “Não sabemos como vamos nos sustentar se perdermos isso”, disse, gesticulando para seus vizinhos. “É Deus quem nos ajudará a sobreviver.”

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