Fonte: The New York Times (2014) |
Por NTV
Quando uma poderosa tempestade
destruiu sua casa ribeirinha em 2009, Jahanara Khatun perdeu mais que um teto
sobre a cabeça. Depois da tragédia, seu marido morreu e ela ficou tão
necessitada que vendeu o filho e a filha para um esquema de trabalho escravo. E
ela pode perder ainda mais.
Khatun hoje vive em um barraco de
bambu em Dakope, Bangladesh (na foto), que fica abaixo do nível do mar e a
46 metros de uma margem de rio. Ela passa seus dias recolhendo esterco de vaca
para usar como combustível e na luta para fazer com que os vegetais que planta
não morram em um solo contaminado pelo sal da água do mar.
Os estudiosos do clima preveem que
esta região será inundada com o aumento dos níveis marítimos e a intensificação
das tempestades -- um ciclone ou outro desastre semelhante pode facilmente
colocar abaixo tudo o que Khatun conseguiu reconstruir. Mas ela está tentando
se segurar pelo menos enquanto dá, sendo uma das milhões de pessoas que estão
com os dias contados vivendo em um país ameaçado pelas mudanças climáticas.
Um dos itens mais preocupantes de um
relatório apresentado em um encontro de cientistas em Yokohama, Japão, é a
previsão de que os níveis dos mares no mundo podem subir até um metro até 2100.
Os mares mais altos e o clima alterado motivarão profundas transformações.
Os cientistas concluíram que a queima
generalizada de combustível fóssil libera gases de efeito estufa que estão
aquecendo o planeta. Entre os mais alarmantes efeitos deste processo está o
derretimento da maior parte do gelo existente nos polos do planeta e o aumento
dos níveis marítimos, o que deve alagar regiões costeiras.
Este aumento não será proporcional
devido aos efeitos gravitacionais e à intervenção humana, então prever os resultados
será difícil, seja onde for. Mas regiões como as ilhas Maldivas, Kiribati e
Fiji quase que certamente perderão muito do seu território, deixando milhões de
desalojados.
“Há muitos lugares ameaçados no
mundo, mas Bangladesh está no topo da lista”, disse o professor Rafael Reuveny,
da Universidade de Indiana, em Bloomington. “O mundo não está preparado para
lidar com estes problemas.” Os efeitos das mudanças climáticas geraram um
sentimento de revolta nas nações em desenvolvimento, muitas das quais contribuíram
pouco para a poluição que está ligada ao aumento das temperaturas e níveis
marítimos, mas sofrerão as piores consequências.
Em uma conferência climática
realizada em Varsóvia, Polônia, em novembro do ano passado, houve um emocionado
desabafo de países que enfrentam as ameaças, entre eles Bangladesh, que produz
apenas 0,3% das emissões de carbono que levam às mudanças climáticas. Alguns
líderes exigiram que as nações ricas compensem as pobres por terem poluído a
atmosfera. Uns chegaram a dizer que as nações desenvolvidas deveriam abrir suas
fronteiras para imigrantes desalojados pelas mudanças climáticas.
“É uma questão de justiça global”,
disse Atiq Rahman, diretor-executivo do Centro Avançado de Estudos de
Bangladesh e principal cientista de clima do país. “Estes imigrantes deveriam
ter o direito de se mudar para os países de onde estas emissões de gases de
efeito estufa vieram. Milhões de pessoas deveriam ser recebidas pelos Estados
Unidos”.
Os deltas de rios de todo o mundo
estão particularmente vulneráveis aos efeitos do aumento dos mares e cidades
mais desenvolvidas como Londres, Veneza e Nova Orleans também têm futuro
incerto. Mas são os países mais pobres e com as maiores populações que devem
sentir os piores efeitos e nenhum mais que Bangladesh, uma das nações mais
densamente povoadas do mundo. Neste delta, feito de 230 rios e riachos, 160
milhões de pessoas vivem em um espaço que equivale a um quinto do tamanho da
França e é achatado como um chapati, o pão local servido em quase todas as refeições.
Mesmo que Bangladesh tenha
contribuído pouco com a poluição industrial do ar, outros tipos de degradação
ambiental tornaram o país especialmente vulnerável. Bangladesh depende quase
que exclusivamente de fontes subterrâneas para o suprimento de água potável
porque os rios são poluídos demais. O bombeamento resultante faz com que a
terra se assente. Desta forma, com o aumento dos níveis dos rios, as cidades de
Bangladesh estão afundando, aumentando o risco de enchentes. As barreiras
marítimas mal construídas aumentam ainda mais o problema.
Os cientistas que tratam do clima no
país concordam que até 2050 o nível dos mares subirá a ponto de inundar 17% do
território e desalojar 18 milhões de pessoas, declarou Rahman. Para piorar,
muito do que o governo de Bangladesh tem feito para adiar o dilúvio que deve
vir – erguer barreiras, drenar canais, bombear água – aprofunda a ameaça de
inundação no longo prazo, disse John Pethick, um antigo professor de Ciência
Costeira na Universidade de Newcastle, na Inglaterra, que passou boa parte da
aposentadoria estudando o caso de Bangladesh. As nações ricas não são as únicas
culpadas, disse ele.
Em uma análise das décadas de
recordes nos níveis marítimos publicada em outubro, Pethick descobriu que a
alta das marés em Bangladesh era 10 vezes mais rápida que a média global. Ele
previu que os mares em Bangladesh podem subir mais de 4 metros até 2100, quatro
vezes mais que a média global. Em uma região na qual a terra geralmente é uma
fina linha marrom entre o céu e o rio – cerca de um quarto de Bangladesh está
menos de dois metros e meio acima do nível do mar – um aumento destes terá
consequências terríveis, disse Pethick. “A reação das autoridades do governo
local tem sido me dizer que eu tenho de estar errado”, afirma. “Isto é
perfeitamente compreensível, mas também significa que eles não têm esperança de
se preparar.”
Rahman disse que não discorda das
descobertas de Pethick, mas que nenhuma estimativa é conclusiva. Outros
cientistas já previram aumentos mais tímidos. Por exemplo, Robert E. Kopp, da
Universidade de Rutgers, declarou que estimativas da região próxima de Calcutá,
na Índia, sugerem que os mares subirão só entre 1,5 a 2 metros até 2100.
“Não há dúvida de que as preparações
em Bangladesh têm sido muito inadequadas, mas qualquer coisa está fadada a
fracassar porque o problema é grande demais para um governo só”, diz Tariq A.
Karim, embaixador de Bangladesh na Índia. “Precisamos de uma solução regional
e, ainda melhor, uma solução global. E se nós não conseguirmos uma logo, o povo
bangladeshi vai logo se transformar em um problema mundial, porque nós não
seremos capazes de contê-lo.” Karim estima que até 50 milhões de moradores vão
fugir do país até 2050 se os níveis do mar subirem como o esperado.
A pobreza de pessoas como Khatun faz
delas particularmente vulneráveis às tempestades. Quando o ciclone Aila
castigou o país, Khatun estava em casa com o marido, seus pais e quatro
crianças. Uma encosta próxima desmoronou e toda a lama e o bambu veio com a
água. Incapaz de salvar seus pertences, Khatun colocou as crianças mais novas
nas costas e, com o marido, enfrentou a água da enchente para chegar a uma
estrada mais alta. Seus pais foram arrastados pela inundação. “Depois de um
quilômetro, consegui me agarrar em uma árvore”, disse Abddus Satter, pai de
Khatun. “E eu consegui ajudar minha mulher a agarrar uma também. Ficamos
agarrados à arvore por horas.”
O casal conseguiu depois ir até o
teto de um barraco próximo. A família se encontrou na estrada no dia seguinte,
depois que as crianças passaram uma cansativa noite desviando das cobras que
também procuravam a terra mais alta. Eles beberam água da chuva até que equipes
de resgate chegaram um ou dois dias depois com água potável, comida e outros
suprimentos.
O sacrifício foi muito duro para o
marido de Khatun, cuja saúde deteriorou-se com rapidez. Para pagar por seu
tratamento e pelo custo de reconstruir seu barraco, a família pegou dinheiro
emprestado de um agiota. Em contrapartida, Khatun e seus três filhos mais
velhos, então com 10, 12 e 15, prometeram trabalhar por sete meses em uma
olaria próxima. Ela depois vendeu seus filhos de 11 e de 13 anos para o dono de
uma outra olaria, esta de Dhaka, por US$ 450 (R$ 990) para pagar mais dívidas.
O marido morreu quatro anos depois da tempestade.
Em uma entrevista, um dos seus
filhos, Mamun Sardar (na imagem), hoje com 14 anos, disse que trabalhou do
nascer ao pôr-do-sol carregando tijolos recém-fabricados para o forno. Ele
disse que sente saudades da mãe, “mas que ela vive longe demais”. Discussões
sobre os efeitos das mudanças climáticas no delta do Ganges geralmente se
transformam em eventos comunitários. Na aldeia de Choto Jaliakhali, onde Khatun
vive, dezenas de pessoas disseram que podiam notar o aumento do rio. Muitas
disseram que ficaram empobrecidas pela erosão, que custou a muitos dos seus
habitantes sua terra.
Muhammad Moktar Ali disse que ele não
podia pensar sobre a próxima tempestade porque tudo o que tem no mundo é sua
cabana e o vilarejo. “Não sabemos como vamos nos sustentar se perdermos isso”,
disse, gesticulando para seus vizinhos. “É Deus quem nos ajudará a sobreviver.”
Disponível
em: http://nytsyn.br.msn.com/fotos/catastrofe-climatica-ameaca-desalojar-milhoes-bangladesh-e-mais-amea%C3%A7ado#image=1
Acesso em 16 de abril de 2014.
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