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sábado, 6 de julho de 2013

A EDUCAÇÃO (AMBIENTAL) O AMBIENTE URBANO E AS ESCOLAS DA PERIFERIA

Fonte: favelaeissoai.com.br
Prof. Dr. Valter Machado da Fonseca 

INTRODUÇÃO

Este artigo tratará, basicamente, de dois temas: a Educação ambiental (EA) em escolas da periferia e a apropriação da natureza pelo modo de produção capitalista. Para tanto, ele enfocará as abordagens conceituais e epistemológicas da Educação Ambiental, do ambiente urbano e da relação sociedade natureza. Não se pode tratar dessas abordagens, sem analisar as conseqüências do desenvolvimento do atual modelo econômico, que rege a sociedade nos tempos modernos, sobre a humanidade. Portanto, este ensaio também estudará os efeitos da apropriação capitalista do ambiente, principalmente aquele modificado pela ação antrópica (o ambiente urbano).
A temática Educação Ambiental/Exclusão Social constitui-se num binômio, cujos termos não podem ser tratados separadamente, uma vez que estão intrinsecamente ligados numa relação de causas e conseqüências. Não se pode estudar a Educação Ambiental (EA) em escolas da periferia, sem falar de exclusão social e vice e versa.
Da mesma forma, não se pode tratar do ambiente urbano, principalmente na periferia das grandes e médias cidades, sem analisar as conseqüências do processo de industrialização e urbanização, dentre as quais estão a exclusão social e a segregação sócio-espacial. O ambiente urbano reflete as contradições, incongruências e conflitos do modelo de desenvolvimento vigente nos dias de hoje, ou seja, o modo de produção capitalista. Dessa maneira, para se tratar do ambiente urbano, também faz-se necessário uma análise dos elementos que permeiam o desenvolvimento da sociedade capitalista dos tempos modernos.
Então, para se localizar a prática da Educação Ambiental nas escolas da periferia, torna-se imprescindível contextualizar os elementos que influenciam, diretamente, esta prática, como o ambiente urbano, a exclusão social (cujos principais sintomas são: alimentação deficitária, subnutrição, condições de higiene precárias, doenças, desemprego, ausência de saneamento básico, moradias em condições de risco, dentre outros.), o processo de urbanização das periferias, a organização das comunidades, a relação comunidade/escola, dentre outros. É nesta perspectiva que se desenvolverá este trabalho.
Neste sentido, a Educação Ambiental que será tratada nesta dissertação, difere, nos conceitos, nos métodos e essência, daquela preconizada pela mídia capitalista. Aqui, não se enfocará a Educação Ambiental como algo separado da educação de forma geral, mas, ela será tratada, sobretudo, como enfoque, do qual a educação nunca deveria ter se separado, ou melhor, sempre deveria ter assumido. Aqui não se tratará da Educação Ambiental especificamente, mas sim da educação acrescida do enfoque ambiental. O termo Ambiental será mantido no decorrer do texto (entre parênteses), apenas com o objetivo de reforçar o enfoque que se quer dar.
Esta dissertação discorrerá acerca da problematização em torno do ambiente urbano, Educação (Ambiental) e escolas da periferia. Para se tratar dessa problematização far-se-á uma análise de cada um desses temas, tendo por base um estudo histórico e social desses aspectos, levando-se em conta a leitura dialética dos elementos que incidem sobre eles e da evolução dos fatores determinantes para o desenvolvimento da sociedade capitalista.

A MÍDIA CAPITALISTA E A TEMÁTICA AMBIENTAL.

A grande rede de comunicação de massas (escrita, falada e televisada) sempre se refere às questões da natureza como meio ambiente[1]. Este texto apresenta a discordância com esta terminologia, uma vez que este termo mostra-se ambíguo, inadequado, vago e impróprio para se tratar os elementos da natureza. Marx sempre se referiu à natureza como o substrato, a fonte genuína, da qual se extrai toda a matéria prima necessária à sobrevivência do ser humano, à confecção de mercadorias e fonte primária para a construção de ferramentas, equipamentos e máquinas que vão constituir-se nos meios de produção para a geração da mais valia (lucro), razão de ser do modo de produção capitalista.
Ao mesmo tempo, a natureza constitui-se no grande hábitat de todas as espécies de seres vivos, portanto, ela é o ambiente onde vivem e convivem todas essas espécies, dessa forma, o termo ambiente exprime, com toda propriedade, o grande ecossistema, do qual a espécie humana é, apenas, mais uma espécie.
O termo meio ambiente[2], frequentemente utilizado pela mídia, exprime uma idéia de fragmentação (o que é intencional, justificando o pensamento positivista/cartesiano) descontextualizando a discussão, dividindo a natureza (o ambiente global) em micro-pedaços, assim como procede com os todos os ramos das ciências. A natureza e seus elementos devem ser observados como um todo e não de forma fragmentada. O capitalismo tenta focalizar a discussão ambiental em pedaços, em partículas desarticuladas entre si, pois, desta forma desvia a atenção das conseqüências, não fragmentadas, deste modelo econômico de produção.
Outro aspecto também, frequentemente usado pela mídia é a tentativa de responsabilizar a população pelos grandes problemas ambientais. Para isso, utiliza-se de campanhas de conservação de praias, de ruas, de córregos e rios, de preservação de espécies animais e/ou vegetais isoladas, de campanhas de reciclagem de efluentes, dentre outras. Assim, ela desvia a atenção da população e evita o questionamento sobre as reais origens da degradação ambiental, que são aqueles responsáveis pela indústria e todo o processo produtivo que mantém a produção e reprodução do capital. Isto não quer dizer que a população não deva auxiliar na preservação do ambiente, mas é preciso caracterizar e responsabilizar, a real fonte de degradação: o atual modelo econômico de produção. A degradação do ambiente é um problema estrutural do modo de produção capitalista.
Deve-se ressaltar, ainda, o papel do discurso oficial do capitalismo, que ecoa por intermédio da mídia, que tenta fazer da problemática ambiental o grande mote, principalmente a partir do limiar do século XXI, visando legitimar a exploração dos recursos naturais do planeta com o pretenso projeto do desenvolvimento sustentável[3], como se a essência dos problemas ambientais não estivessem, intrinsecamente ligada às contradições deste modelo econômico que permeia a sociedade dos tempos modernos.

O AMBIENTE URBANO, A EDUCAÇÃO (AMBIENTAL), E AS ESCOLAS DA PERIFERIA.

O debate sobre o ambiente urbano, inevitavelmente, remete à discussão sobre o processo de urbanização desigual entre centro-periferia das grandes e médias cidades, à segregação sócio-espacial, à falta de saneamento básico, a problemas de saúde, alimentação, subnutrição, desemprego, precariedade de habitação, dentre outros.
Estes problemas também estão, diretamente, ligados, à falta de políticas públicas voltadas para as áreas periféricas, às contradições do processo de urbanização/industrialização desigual e às inconseqüências da apropriação, ocupação e exploração desordenada do espaço urbano e dos recursos naturais. Pode-se dizer que, a organização do espaço urbano das periferias das grandes e médias cidades representa a síntese das contradições do processo de urbanização capitalista. Nele estão presentes os elementos “perceptíveis” e “imperceptíveis” do ambiente, enquanto palco dos conflitos e contradições do modo de produção capitalista.
O fenômeno da urbanização decorrente do desenvolvimento das cidades é um reflexo da reprodução do capital. O espaço urbano é produzido e dividido segundo as desigualdades sociais oriundas da sociedade capitalista caracterizada pela sua divisão em classes sociais, com interesses antagônicos e diametralmente opostos. Portanto a segregação sócio-espacial é uma característica do processo de urbanização produzido pelo modelo capitalista. As diferenças sociais gritantes também são produtos do modo de produção excludente da sociedade capitalista. Portanto, o desenvolvimento da sociedade capitalista não somente é responsável pela degradação ambiental, como também pela degradação política, econômica e social do ser humano.
Já a Educação (Ambiental) deve ser encarada como uma dimensão da educação e não como uma nova modalidade de disciplina, desta forma, o ambiente deve ser visto como o grande palco onde ocorre o processo educacional e, como tal, ele não se constitui em novo objeto de investigação das ciências, mas, num instrumento eficaz para uma reflexão epistemológica sobre os diversos campos de investigação científica e, sobretudo, num objeto que possa ser utilizado como instrumento de unificação de saberes, auxiliando na ruptura com a fragmentação e compartimentação dos conteúdos curriculares.
A Educação (Ambiental) investigada aqui nesta dissertação difere dos modelos apresentados pela escola tradicional e a grande mídia capitalista. Ela, como uma dimensão da educação, deve analisar e procurar localizar os elementos contraditórios do ambiente urbano, ligando-os aos problemas reais e concretos que marcam a vida cotidiana dos educandos em suas comunidades. Ela deve se preocupar em transformar os conteúdos ligados à temática ambiental, em aspectos que tenham relevância e significação para os educandos e seus familiares, em suas vidas cotidianas. Diante dessa consideração, a EA deve iniciar, exatamente, pelo entendimento e saberes que os educandos já construíram sobre estes elementos. Dessa forma estar-se-á construindo uma dimensão da Educação (Ambiental), realmente significativa para os educandos e sua comunidade, negando, na prática os modelos que se tentam impor pelo modo de produção capitalista e sua escola tradicional sob bases positivistas.
Fazer a ligação das contradições provenientes da ocupação desordenada do espaço urbano (mais evidentes na periferia) e os conteúdos significativos para a comunidade requer uma análise especial e aprofundada dos elementos que compõem a paisagem urbana da periferia, é preciso ter um olhar crítico sobre este ambiente e construir uma relação dialética e dialógica entre a escola e a comunidade da periferia, dando, com isso, as condições para a escola intervir na comunidade, no sentido de auxiliar, senão na solução, pelo menos na minimização dos problemas locais. Dialética quando consegue fazer a leitura do ambiente urbano interpretando as contradições e conflitos que movem a vida nessas localidades, ao longo de um processo histórico e social e, dialógica quando consegue fazer a ligação desses problemas com os conteúdos trabalhados em sala de aula, criando dessa forma um canal de diálogo com essas populações, por intermédio da significação e (re)significação dos conteúdos curriculares, o que pode ocasionar uma melhoria significativa no processo de ensino-aprendizagem.
Não se pode fazer uma análise das escolas da periferia, segundo os critérios e métodos tradicionais propostos pelas instituições formais de ensino. Os alunos dessas escolas devem ser enxergados em suas particularidades e singularidades (isto vale para os educandos de maneira geral), não somente devido às diferenças originadas da subjetividade humana, o que não pode ser analisado e/ou medido pelos métodos das ciências naturais, mas, sobretudo, pelas condições de miséria, fome, doenças, desemprego, etc., presentes nas comunidades carentes.
A Educação Ambiental deve ser capaz de romper a camisa de força que a mantém aprisionada a velhos e falsos conceitos, que em última instância visam às reformas dentro dos marcos do capital. Hoje, existe uma gama de organismos oficiais, ONG’s, ambientalistas, ecologistas e correntes pedagógicas que se reivindicam do debate ambiental. Os “especialistas” do complexo campo de investigação das temáticas ambientais repetem, por caminhos diferentes, os mesmos discursos. Pensar na Educação (Ambiental) de forma coerente e séria, é pensar na complexidade ambiental, é descartar os discursos superficiais do “politicamente correto”, da “preservação da ararinha azul, do mico leão dourado ou do boto cor de rosa”, do “ecologicamente correto” do “tomar consciência de”, pelo contrário, é assumir a (re)flexão epistemológica sobre a relação natureza-sociedade, é levar às últimas conseqüências este debate. A problemática ambiental é uma questão política, e, como tal deve ser tratada. Tratar da Educação (Ambiental) é rediscutir os verdadeiros significados de democracia, cidadania, de (des)envolvimento. Não se pode exigir daqueles colocados à margem da utilização dos recursos naturais, a aceitação de padrões preestabelecidos por aqueles que se utilizam, a seu bel prazer, dos recursos da natureza, como forma de mercantilizá-la, colocando-a a serviço da reprodução irracional do capital e, gerando o bem estar social para uma pequena parcela da população mundial.
É neste contexto, que este artigo enfoca a prática da Educação (Ambiental), entendendo-a como instrumento de emancipação política, econômica e social, para as camadas mais sofridas da população. A crítica aqui colocada vai no sentido da superação dos limites impostos à educação em sua dimensão de relação com a natureza (ambiental). Limites de caráter “moralista” que recai num modo de pensar a educação, em sua dimensão ambiental, como se o homem fosse um elemento passivo ignorando sua ação social numa perspectiva histórica. A falta de um diálogo epistemológico em torno dos conceitos derivados da relação sociedade-natureza empobrece, sobremaneira, o debate ambiental e dificulta o entendimento e o pensar uma Educação (Ambiental), contextualizada, que considere o homem como ser social, histórico e transformador. A Educação (Ambiental) pensada pela maioria das correntes da atualidade, se dá nos moldes do pensamento social-democrata, de reformas nos marcos do capital, portanto, trata-se de um enfoque educacional descolado, deslocado e distante dos anseios dos setores marginalizados do processo produtivo da sociedade capitalista. Enfim, nesta perspectiva ela tem o objetivo (intencional) de perpetuar o sistema de exploração e, esta perspectiva é descartada como objeto de análise deste ensaio.

AINDA NÃO CONCLUINDO!!!

Este artigo é apenas o primeiro de uma série de ensaios, que têm a pretensão de aprofundar as discussões sobre a relação sociedade-natureza, bem como as causas, efeitos e conseqüências dessa relação, no atual estágio de desenvolvimento do modelo capitalista de produção. Para conclusão parcial deste primeiro texto ficam as indagações de Carlos Walter Porto Gonçalves (2004, p.18): “Que destinos dar à natureza, à nossa própria natureza de seres humanos? Qual é o sentido da vida? Quais os limites da relação da humanidade com o planeta? O que fazer com o nosso antropocentrismo quando olhamos do espaço o nosso planeta e vemos como ele é pequeno e quando entendemos que somos apenas uma dentre tantas espécies vivas de que nossas vidas dependem?”
Estas indagações servem de elementos de reflexão para os leitores, no sentido de rediscutir sobre a irracionalidade de um modelo econômico, que explora os recursos naturais do planeta, a seu bel prazer, para atender às demandas do mercado consumidor, sem a mínima preocupação com os destinos da humanidade, nesta e nas futuras gerações. É preciso, urgentemente, rediscutir o espaço urbano construído para a reprodução e expansão do capital e sua relação com a escola positivista cartesiana. Dessa rediscussão deve se iniciar um processo de gestação de um novo modelo de escola e de novas formas de relação da sociedade com a natureza, que rompa com a ordem do discurso capitalista, responsável pela crise, que permeia os tempos atuais.

REFERÊNCIAS

-GONÇALVES, C. W. P. O Desafio Ambiental. Emir Sader (org.). Rio de Janeiro: Record, 2004  .__ (Os porquês da desordem mundial. Mestres explicam a globalização)


[1] Grifo do autor.
[2] Grifo do autor.
[3] O termo desenvolvimento sustentável tem sido frequentemente utilizado, principalmente neste início de século, como a pretensa “fórmula mágica” que pode conciliar o atual modelo de desenvolvimento econômico com a preservação ambiental.

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