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domingo, 2 de junho de 2013

Entre o real e o ideal: as práticas docentes no contexto da educação brasileira



Prof. Dr. Valter Machado da Fonseca*

Muito se discute acerca dos desafios e possibilidades da didática, como instrumento de superação da imensa crise paradigmática que permeia a educação no Brasil, diante de um quadro de comprometimento dos educadores com a transformação efetiva da realidade escolar e do processo de ensino-aprendizagem. Mas, entre o real e o ideal existe um grande abismo e um vasto campo de pesquisa, sobre o qual devemos nos debruçar. Neste quarto tópico, partiremos de uma reflexão de Puentes (sd., p. 5), para compreendermos a realidade da educação no Brasil:

O caráter pedagógico da prática educativa se verifica como ação consciente, intencional e planejada no processo de formação humana, por intermédio de objetivos e recursos estabelecidos por critérios socialmente determinados e que indicam o tipo de homem a formar, para qual sociedade, com que propósitos. Vincula-se, pois a ações sociais e políticas referentes ao papel da educação num determinado sistema de relações sociais. A partir daí a pedagogia pode dirigir e orientar a formulação de objetivos e meios do processo educativo.

A formulação de Puentes é importante, pois destaca aspectos que fundamentam questões que precisam ser respondidas quando se quer investigar, com critérios de seriedade, as práticas docentes, em especial num país como o Brasil. A afirmação do autor leva a indagações extremamente relevantes, quando se propõe um trabalho comprometido com a transformação da realidade escolar: Que tipo de sujeito se pretende formar? Estes sujeitos visam a atender qual modelo de sociedade? A qual ou quais propósitos se destina este modelo de formação educacional?

A partir dessas indagações podemos refletir sobre a profissão e as práticas docentes que permeiam o sistema educacional brasileiro. Como foi levantado no início deste texto, procuramos fazer uma reflexão sobre a didática e as práticas educativas a partir da realidade brasileira, confrontada com um modelo que tem por norte a perspectiva histórico-cultural defendida pela escola Vigotskiana.

Após discorrermos acerca dos horizontes, limites, fronteiras e pressupostos das propostas de Vigotski e suas derivações, infelizmente verificamos que nossa realidade educacional está muito distante do modelo investigado, bem como das perspectivas levantadas neste ensaio. A realidade brasileira aponta, ao contrário do que foi elencado neste texto, para uma escola voltada para capacitar os sujeitos visando sua entrada e acomodação no mercado de trabalho, permitindo o florescimento contínuo da reprodução e expansão do capital e da mais valia capitalista.

A escola no modelo educacional brasileiro visa não à formação para a vida, mas ao atendimento dos anseios e desejos do mercado e do fluxo de capitais. Diante dessa constatação, podemos afirmar que o modelo brasileiro está muito distante da escola idealizada a partir das ideias centrais dessa dissertação. Existe um imenso abismo entre o real e o ideal. A realidade escolar e educacional brasileira é marcada fundamentalmente: 

  • Pela desigualdade social, econômica e política que caracteriza as diversas regiões brasileiras;
  • Pela fragmentação dos conteúdos curriculares, que são construídos de cima para baixo, com pouca participação dos docentes;
  • Pela inserção de mecanismos de controle do capital na gestão, no currículo e nas atividades docentes;
  • Pelo pouco interesse do Estado em construir modelos educacionais que visem à formação humana, em detrimento da formação para o mercado de capitais;
  • Por um modelo de educação que desconsidera as particularidades e singularidades entre os educandos;
  • Pela construção de materiais didáticos que desconsideram as diferenças e desigualdades regionais e entre os diversos sujeitos que compõem o universo educacional brasileiro;
  • Pelas deficiências e debilidades dos processos de formação docente;
  • Pela preferência do Estado brasileiro em privilegiar o ensino tecnicista em detrimento de modelos que enfatizem a formação humana dos sujeitos envolvidos no processo educacional.
  • Pela preferência do Estado por um modelo que prioriza uma didática generalizada, em detrimento de didáticas específicas.

Os problemas da educação brasileira estão refletidos no modo como se dá a organização curricular das escolas do país. Podemos dizer que o currículo é o decalque, o símbolo de um modelo educacional voltado para os interesses do capital e muito distante dos interesses dos setores populares. Fonseca (2010) discorre sobre o modelo curricular que norteia a educação no Brasil:

[...] o currículo é fruto das experiências práticas do processo educacional, ao longo da história das sociedades e, como tal ele exprime os aspectos políticos, econômicos e sociais que marcaram e marcam o desenvolvimento dessas sociedades. Então, ele possui, em maior ou menor grau, elementos que exprimem os avanços e recuos das lutas entre as classes sociais que marcam o desenvolvimento das sociedades. Diante desses elementos, ele reflete as desigualdades políticas, econômicas e sociais inerentes da sociedade de classes. (FONSECA, 2010, p.224)

Neste sentido, o modelo curricular que normatiza os parâmetros e os conteúdos da educação brasileira se pauta nos aspectos levantados por Fonseca (2010). Assim, é tarefa dos educadores comprometidos com a transformação da realidade educacional brasileira, lutar por outros parâmetros e outros modelos de currículo que permitam a superação da crise educacional no país.

5. (In)conclusões! Algumas considerações parciais!

Este artigo construiu uma abordagem crítica das práticas docentes, inseridas no processo educacional brasileiro, tendo como parâmetro comparativo a perspectiva histórico-cultural da escola Vigotskiana. Para tanto, ele abordou uma série de pressupostos e fundamentos acerca dos desafios e possibilidades da didática na perspectiva dos fundamentos da teoria de Vigotski e suas vertentes.

À luz dessa teoria ele desvendou algumas possibilidades de novas práticas didático-pedagógicas, objetivando a construção de novas concepções que englobem as práticas docentes numa abordagem que vise construir alternativas ao modelo educacional colocado para os diversos sujeitos envolvidos no processo educacional brasileiro.
O texto partiu das contribuições teóricas de diversos autores e pensadores que acreditam numa transformação da realidade educacional que permeia os tempos modernos, visando à construção de outro paradigma que privilegie a formação humana dos sujeitos, em detrimento da visão puramente tecnicista que norteia a educação tradicional.

Após tecer diversas considerações acerca das possibilidades da consolidação de um modelo didático embasado na perspectiva histórico-cultural, concluiu-se que a educação no Brasil, assim como as práticas docentes dela derivadas estão orientadas para a formação de sujeitos tecnificados, coisificados para atender a lógica do mercado de capitais, no lugar de uma educação humanizadora, a serviço da felicidade humana, de seu entendimento de mundo, preparando-o para o enfrentamento de sua aventura maior: a vida.  Por fim, mesmo cientes dos diversos aspectos dificultadores da transformação da realidade educacional no Brasil, ainda acreditamos na possibilidade dessa transformação. Outro modelo de escola é viável! Novas formas de educar são possíveis!

6. Referências
COLE, Michael; SCRIBNER, Sylvia. In: Introdução. A Formação social da mente: o desenvolvimento dos processos mentais superiores. Organizadores Michael Cole...[et al.]. Trad. José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. – (Psicologia e pedagogia)

FONSECA, Valter Machado da. Uma escola para além do capital: o currículo como instrumento de controle ideológico. In: FONSECA, Valter Machado da; BRAGA, Sandra Rodrigues. O Sujeito & o Objeto: educação e outros ensaios. São Paulo: biblioteca24x7, 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática pedagógica. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura)

LIBÂNEO José Carlos. DIDÁTICA E EPISTEMOLOGIA: para além do embate entre a didática e as didáticas específicas. São Paulo, 2010 (mímeo)

MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política; Trad. Maria Helena Barreiro. Revisão de Carlos Roberto F. Nogueira. São Paulo: Martins Fontes, 1977.

PUENTES, Roberto Valdés. O lugar da didática entre a educação, a pedagogia e as didáticas específicas. Uberlândia, 2010 (mímeo)

VIGOTSKI, Lev Semenovich. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In: Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. 11 Ed. Trad. Maria de Pena Villalobos. São Paulo: Ícone, 2010.

______. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos mentais superiores. Organizadores Michael Cole...[et al.]. Trad. José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. – (Psicologia e pedagogia)

______. Pedagogia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.


* Escritor. Geógrafo, Mestre e Doutor pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pesquisador e professor da Universidade de Uberaba (UNIUBE). pesquisa.fonseca@gmail.com


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