Valter Machado da Fonseca
O
sistema capitalista, por um lado, conseguiu imprimir com grande eficiência, o
avanço técnico-científico nas áreas de superprodução de bens de consumo, da
indústria química e petroquímica, da automação, robótica, nuclear, armamentos,
da engenharia genética, de eletro-eletrônicos, de alimentos, etc.; além de
imprimir um novo ritmo à indústria da informática, das telecomunicações e dos
transportes. Por outro lado, ele promoveu a marginalização de largas camadas da
humanidade, o aparecimento de novas doenças, o ressurgimento de males
medievais, principalmente nos países atrasados; a desnutrição, o acúmulo de
todo o tipo de lixo, a destruição de grande parte da vegetação, a contaminação
das águas e do solo, a substituição de biomas inteiros, como o Cerrado e a Mata
Atlântica, por atividades agropecuárias.
As conseqüências do impacto ambiental foram as mais drásticas
possíveis. Já no início da Revolução Industrial, com a utilização das máquinas
a vapor, iniciou-se um violento ataque à biomassa do planeta, com milhões de
km² de florestas virgens sendo devoradas para a manutenção da indústria de
base, principalmente a siderurgia e o transporte ferroviário.
A degradação das florestas veio acompanhada da deterioração
das águas por produtos químicos e resíduos, advindos das indústrias. Com a
superprodução industrial, surgem outros tipos de poluição que afetam, além das
águas superficiais e subterrâneas, também os solos, a atmosfera e os seres
vivos, dentre eles o homem. Hoje convivemos com os perigos decorrentes da
poluição atmosférica, do acúmulo de lixo doméstico e resíduos industriais, do
excesso de lixo tóxico e nuclear, além dos problemas causados pela emissão de
gases tóxicos para a atmosfera, como o efeito estufa, o aquecimento global, as
chuvas ácidas e o buraco na camada de ozônio.
É
exatamente dentro deste contexto das contradições oriundas do modelo de
desenvolvimento capitalista que se situa a problemática da contaminação das
águas.
A mídia comumente tenta
repassar falsas concepções a respeito desta problemática como: "a água do
planeta está ameaçada de extinção" ou, "a população que joga seu lixo
nas ruas ou nos lagos, córregos e riachos é responsável pelas catástrofes ou
inundações, etc.". Este procedimento, muito comum, da mídia é a
simplificação do problema, trata-se de um método ilusório de focalizar o
problema em simples casos isolados, tentando jogar o ônus da crise ambiental
sobre os ombros da população.
É importante destacar que, a quantidade de água existente
no planeta não está diminuindo ou aumentando, ela se mantém constante, pois é
regulamentada pelo ciclo da água que determina sua movimentação em seus
diversos estados (sólido, líquido e gasoso), em uma dinâmica perfeita que
mantém constante a quantidade de água no planeta.
As
técnicas avançadas da produção industrial aplicada à agricultura e mais
recentemente o desenvolvimento da biotecnologia especialmente a biotecnologia
de alimentos, tem produzido uma gigantesca quantidade de insumos agrícolas e
agrotóxicos que causam a contaminação dos rios, lagos, solos e aqüíferos
subterrâneos. Os produtos químicos aplicados à agricultura contaminam além das
águas e dos solos, também os alimentos consumidos pela população, trazendo
prejuízos irreparáveis à saúde humana. É neste contexto, que se situa o
processo de aceleração da poluição do maior reservatório de água subterrânea da
América do Sul: o Aqüífero Guarani, que será tratado em tópico à frente.
1 - O fim do ciclo do petróleo e a estratégia geopolítica da água como
recurso energético.
A
humanidade assiste, neste início de século, ao fim de um de um recurso natural
não renovável: o ciclo do petróleo. O fim inevitável da utilização do petróleo,
enquanto fonte de energia coincide com o início da estratégia geopolítica da
água, considerada um recurso natural renovável.
A
geopolítica do petróleo, neste limiar de século, tem servido de subterfúgio
para ameaçar a autonomia e a autodeterminação dos povos, justificativas,
escondidas atrás de discursos “anti-terror” e “anti-nucleares”, para invasão de
territórios, principalmente daqueles onde se encontram as maiores jazidas deste
recurso natural. Em nome de subterfúgios espúrios, justificam-se guerras e
carnificinas. Por outro lado, a utilização dos combustíveis fósseis tem sido a
maior responsável pela poluição e degradação do planeta, desde que eles foram
descobertos como forma de energia.
A
indústria automobilística é hoje, sem sombra de dúvida, a principal responsável
pela emissão de gases tóxicos para a atmosfera, principalmente o dióxido de
carbono (CO2). Os subprodutos do petróleo fabricados nos pólos
petroquímicos, a exemplo dos plásticos, são os grandes vilões da superprodução
de lixo doméstico e industrial, transformando o planeta em um grande depósito
de resíduos. Neste último período, em particular, assiste-se à progressão, sem
precedentes, do aumento do nível dos oceanos e da temperatura da Terra
(aquecimento global), o que incide, diretamente, sobre as drásticas alterações
climáticas (derivadas do efeito estufa) que sevem de “sinal de alerta” acerca
do futuro incerto de todas as espécies de seres vivos, dentre elas o Homo Sapiens.
Agora,
o ciclo do petróleo está em sua fase derradeira. Os centros de estudos do mundo
todo já realizam pesquisas sobre a utilização da água como fonte alternativa de
energia. Neste sentido, este precioso recurso natural ganha um enorme valor
econômico e geoestratégico, ao lado do valor econômico agregado à
biodiversidade. Porém, a utilização da água como fonte de riqueza, no atual
modelo econômico de desenvolvimento das forças materiais da sociedade,
despreza-a como fonte de vida. A nova tecnologia, apesar de não diminuir a
quantidade total da água do Planeta, utiliza o precioso recurso natural como se
ele não fosse necessário à continuidade da vida. A poluição das águas faz parte
do conjunto de fatores degradantes dos recursos da natureza.
É
importante salientar que o Brasil, sozinho, possui 12% da água potável do globo
terrestre. Diante disso, torna-se alvo de cobiça dos países ditos
desenvolvidos. É até incompreensível o modo como são tratados os recursos
hídricos no país. Grande parte do complexo industrial brasileiro despeja seus
rejeitos e resíduos diretamente nos corpos d’água. Por seu lado, as novas
tecnologias agroindustriais utilizam-se de milhares e milhares de toneladas de
agrotóxicos e insumos agrícolas, por intermédio da prática das monoculturas,
colocando em risco as águas subterrâneas. O Brasil abriga 2/3 do maior
reservatório de água subterrânea da América do Sul: o Aqüífero Guarani, que já
está sendo seriamente ameaçado pela utilização desordenada de suas águas e pela
utilização de agrotóxicos pela prática das monoculturas de exportação.
2 - Aqüífero Guarani: a maior reserva de água subterrânea da América do
Sul.
Segundo fontes do Instituto
de Pesquisas Espaciais (INPE) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA) o Aqüífero
Guarani é a principal reserva subterrânea de água doce da América do Sul e um
dos maiores sistemas aqüíferos do mundo, ocupando uma área total de 1,2 milhões
de km² na Bacia do Paraná e parte da Bacia do Chaco-Paraná. Estende-se pelo
Brasil (840.000 Km²), Paraguai (58.500 Km²), Uruguai (58.500 Km²) e Argentina,
(255.000 Km²), área equivalente aos territórios da Inglaterra, França e Espanha
juntas. Sua maior ocorrência se dá em território brasileiro (2/3 da área total)
abrangendo os Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo,
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O Aqüífero Guarani, denominação do
geólogo uruguaio Danilo Anton em memória do povo indígena da região, tem uma
área de recarga de 150.000 Km² e é constituído pelos sedimentos arenosos da
Formação Pirambóia na Base (Formação Buena Vista na Argentina e Uruguai) e
arenitos Botucatu no topo (Missiones no Paraguai, Tacuarembó no Uruguai e na
Argentina).
O Aqüífero Guarani
constitui-se em uma importante reserva estratégica para o abastecimento da
população, para o desenvolvimento das atividades econômicas e do lazer. Sua
recarga natural anual (principalmente pelas chuvas) é de 160 Km³/ano, sendo que
desta, 40 Km³/ano constitui o potencial explotável sem riscos para o sistema
aqüífero. As águas em geral são de boa qualidade para o abastecimento público e
outros usos, sendo que em sua porção confinada, os poços têm cerca de 1.500 m de profundidade e
podem produzir vazões superiores a 700 m³/h. Por ser um aqüífero de extensão
continental com característica confinada, muitas vezes jorrante, sua dinâmica
ainda é pouco conhecida, necessitando maiores estudos para seu entendimento, de
forma a possibilitar uma utilização mais racional e o estabelecimento de
estratégias de preservação mais eficientes.
2.1 - O Aqüífero Guarani como fonte de água potável e a prática das
monoculturas.
Um
exemplo clássico de utilização das águas do Guarani é o abastecimento de água
da cidade de Ribeirão Preto (SP). Toda a cidade (100%) é abastecida pelas águas
do Aqüífero Guarani. Grande parte deste abastecimento é feita sem planejamento,
conforme informam estudos da UNICAMP, como se o reservatório tivesse um tempo
de vida infinita. Segundo denúncias do Núcleo de
Economia Agrícola (NEA), do Instituto de Economia da UNICAMP, “Os cerca de 500
poços artesianos abandonados em Ribeirão Preto, a redução do nível da água em
cerca de 60% e a possibilidade de contaminação dos mananciais próximos às áreas
agrícolas, ameaçam a existência da maior reserva de água potável da América
Latina: o Aqüífero Guarani”. Como a cidade de Ribeirão Preto, existe,
aproximadamente, uma centena de outras cidades do sudeste que exploram as águas
do aqüífero.
Apesar de ser um problema,
este não é o maior deles. O maior problema de contaminação das águas, tanto
superficiais quanto subterrâneas, se liga ao uso e manejo incorretos dos solos
agrícolas, por intermédio das práticas das monoculturas voltadas para a
exportação. Agora as preocupações se avolumam com a volta da monocultura da
cana-de-açúcar, que arrasa os solos e diminui o nível de água dos lençóis
freáticos. Este tipo de monocultura afeta a bioestrutura dos solos,
ressecando-os, deixando-os em vias de desertificação. O uso massivo de
agrotóxicos e de todo tipo de herbicidas e pesticidas, as altas dosagens de
insumos agrícolas, acabam contaminando as águas superficiais e subterrâneas.
Portanto, o Aqüífero Guarani
é um recurso natural de valor estratégico incalculável, como fonte de água
potável, para esta e para as futuras gerações. Cabe a toda a população
brasileira zelar pela garantia da preservação deste valiosíssimo recurso da
natureza, como forma de garantir a continuidade da vida no planeta. Para
encerrar, nada melhor que a citação de Paulo
César de Almeida Freitas (2006): “Acredito ser de uma insensatez e
irresponsabilidade sem limites, a utilização das águas do aqüífero Guarani,
pois como se sabe, é um recurso finito e por isto deveria ser objeto de uma
legislação específica, que viesse proteger este tão importante manancial, que
representa um recurso hídrico estratégico, por ocasião de uma eventual
escassez. Escassez esta que pelas evidências hoje observadas, já se pode
antever, resultado da insaciável e insana sede do poder demonstrada até então
pelo ser humano, que faz com que seres racionais ajam contra si próprios e seus
descendentes, agredindo implacável e cruelmente o meio ambiente. É como relata
a obra "O clamor das águas", que em certo trecho diz: ‘Caso nos
próximos trinta anos, o homem não tiver revertido o quadro de degradação e
flagelo por ele imposto à natureza, a vida por sobre a terra estará
irremediavelmente comprometida. Ou seja, baseado nesta previsão, caso não
promovamos uma radical mudança em nossas atitudes comportamentais, a geração
que hoje habita o planeta poderá ser... a última’. Diante do exposto, espero
que doravante ajamos com responsabilidade e senso preservacionista a fim de não
deixarmos como legado às futuras gerações, uma terra árida, desértica, com
altas temperaturas, enfim, um lugar que não ofereça um mínimo de condições de
sobrevivência”.
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