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segunda-feira, 7 de maio de 2012

DUAS VIDINHAS “NOVINHAS EM FOLHA”

Foto: rosa em vida.                                   Fonte: pqavidaassiim.blogspot.com

 
Valter Machado da Fonseca*
Domingo passado, numa revista eletrônica de uma das maiores emissoras de TV do Brasil, vi uma matéria jornalística formatada de maneira absurdamente vergonhosa. Não sei se o termo “Vergonhoso” faz jus à minha decepção e ao susto que tive diante da forma com que a matéria foi formatada. E ela foi anunciada por um dos apresentadores da revista eletrônica, também recentemente formatado, no sentido mais amplo da notícia enquanto mercadoria.
A matéria “jornalística” [agora entre aspas, porque não sei mais o que é jornalístico diante de uma matéria com esta] tratou do assunto que já deixou de ser manchete no telejornalismo há certo tempo, a tão comentada “barriga de aluguel”. Tratava-se de um casal que queria ter filhos, mas, por um motivo qualquer, não podia tê-los. Aí, o casal resolveu apelar para a Índia, local onde, na atualidade, é legalmente permitida tal prática. Note que, o que está em discussão neste texto não é a validade [o mérito] das experiências científicas com a tal “barriga de aluguel”, mas trata-se, fundamentalmente, da conotação, da forma com que a emissora de TV tratou do assunto.
Observem que o assunto em questão envolve relações humanas, sensibilidade e, sobretudo envolve vidas humanas e mais, envolve vidas de crianças. O “jornalista” em questão, ao finalizar a matéria e, para dar ênfase ao sucesso do casal que conseguiu alcançar seu desejo de ter filhos, por intermédio da “barriga de aluguel”, utilizou a seguinte frase: eles conseguiram “duas vidinhas novinhas em folha”.
Aparentemente, para os menos avisados e desinformados, a frase é descuidadamente inocente. Mas, absolutamente não o é, meus caros (as) leitores (as)! Existe propositadamente uma forte dosagem de ideologia altamente sacana, por detrás de tal afirmação. O termo “novinho em folha” é um termo altamente capitalista utilizado para quaisquer mercadorias [bens de consumo] que acabaram de sair de uma fábrica. É um termo utilizado para carros novos, geladeira nova, bicicleta nova, casa nova, dentre outros. É um termo que teve sua origem na linha de montagem da produção em série de diversas mercadorias que visam ao atendimento dos mercados consumidores.
Será que as vidas humanas, em especial as vidas de crianças recém-nascidas, podem ser chamadas de “vidinhas novinhas em folha”. Não! Absolutamente não, meus caros leitores! Não se pode permitir que vidas humanas sejam banalizadas, sejam colocadas no nível de uma reles mercadoria de consumo. Não se pode permitir que a vida humana seja tão aviltada como se fosse um simples bem de consumo. A vida humana não pode jamais ser descartada, jogada no lixo, desta forma tão manipulada, para atender às demandas do mercado da indústria das telecomunicações, como é o caso das grandes redes de TVs.  Será que o marketing tradicional de vendas de produtos televisivos está tão inoperante, tão ineficiente e tão incapacitado que exige um rebaixamento tão vexatório da condição humana?
Vamos torcer, ardentemente, que a sociedade do fetiche e sedução ao consumo e ao descartável não tenha atingido tal estado de degeneração. Tomara que este seja apenas mais um caso isolado de culto ao consumismo, aos enlatados e aos descartáveis e que não se torne regra geral. Torçamos para que a afirmação do nosso querido Boaventura de Sousa Santos “o capital promove a conversão do corpo humano em mercadoria última” não esteja tão latente como aparece na matéria da revista eletrônica de domingo na TV. Caso contrário, além de “nossas vidinhas estarem novinhas em folha”, estaremos entrando, definitivamente, em um mundo e numa sociedade decadentes, degenerados, corroídos e “velhinhos como sucatas”.             


* Escritor. Geógrafo, mestre e doutorando pela Universidade Federal de Uberlândia. Pesquisador e professor da Universidade de Uberaba. machado04fonseca@gmail.com

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