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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

PERSPECTIVAS PARA O CERRADO BRASILEIRO: Passado, presente e futuro

Cerrado: Bairro rural de Peirópolis - Uberaba/MG. Fonte: Arquivo do autor (2011).

Prof. Ms. Valter Machado da Fonseca*

Meus caros (as) leitores (as)!

Falar do Cerrado brasileiro já está ficando algo apaixonante. Falar do nosso Cerrado já não é apenas uma questão de homenagem a um bioma ímpar com características singulares, mas, sobretudo, trata-se de uma necessidade urgente, diante do quadro altamente preocupante que se desenha para este valiosíssimo bioma.
Dias atrás, eu comentava com colegas professores, que também compartilham dessa preocupação com o futuro incerto do nosso Cerrado, que sinto saudades dos tempos de outrora, tempos de criança, onde podíamos correr livremente pelo Campo em busca de aventuras, comuns no imaginário de crianças e adolescentes. Lembrávamo-nos da flora e da fauna características do bioma. Em especial dos frutos silvestres como a gabiroba, o Araçá, o Murici, a goiabinha do mato, o araticum silvestre, o gravatá (uma flor de excelente sabor e que fazia parte da culinária cerradeira), o bacupari, o jambo do Cerrado, do pequi, do jenipapo. Lembrávamos ainda dos condimentos como o açafrão, a pimenta do brejo, além de palmitos com a guariroba (uma espécie de palmito amargo). A tabela abaixo, demonstra a riqueza florística do Cerrado.
Uso
Exemplares
Alimentício
Pequi; palmito guariroba.
Condimentar, aromatizante e corante
Pimenta-de-macaco; canela-batalha (condimentos); baunilha e o arcassu (aromatizantes); açafrão-do-cerrado (corante)
Têxtil
Sementes, folhas e entre-casca: plantas dos gêneros Chorisia, Eriotheca, Pseudobombax, Mauritia, Attalea, Xylopia, Luehea e Guazuma.
Corticeiro
Pau-santo, mama-de-porca, cervejinha, tamboril-do-cerrado; fruta-de-papagaio
Tanífero
Barbatimão; angico; carvoeiro; acácia-negra
Exsudato (resina, goma, bálsamo e látex)
Jatobá; breu, laranjinha-do-campo (resina); Vochysia sp.,
angicovermelho, aroeira (gomeiras); bálsamo, cabreúva,
copaíba, ou pau-d'óleo (bálsamo); mangabeira, Himatanthus obovatus, leiteiro, algumas espécies de Ficus (látex)
Produção de óleos e gorduras
Babaçu, macaúba, pequi
Medicinal
Poaia, arnica
Ornamental
Ervas, samambaias e avencas, até o jequitibá e o tamboril da  mata; as quaresmeiras, os ipês, e a guariroba.
Artesanal
Flores, sementes e folhas de mais de 100 espécies.
Apícola
Diversas espécies usadas pelas abelhas
Aparentado de cultivos comerciais
Anacardium (caju), Manihot (mandioca), Ananas (abacaxi), Annona (ata, pinha), Dioscorea (cará), Diospyrus (caqui),
Psidium (goiaba), Passiflora (maracujá), Arachis (amendoim) e Pauilinia (guaraná)
 

Observem que os destaques da tabela não chegam a 2% das espécies que compõem o nosso Cerrado. Das centenas de espécies nativas do Cerrado, cerca de, apenas 20% têm o princípio ativo conhecido.

Quanta falta nos fazem as diversas espécies de madeira de lei, como o Jatobá, a aroeira, o Jacarandá, o Pau Ferro, a cerejinha, dentre outras espécies que, paulatinamente vão sumindo da paisagem do Cerrado. Lembrávamos ainda de diversas espécies de aves do Cerrado, a exemplo do pintassilgo, do azulão, dos papa-capins, dos periquitos do Cerrado, das Seriemas, do Canário da Terra.

Hoje, quando passamos nas autoestradas que cortam o bioma vemos milhares e milhares de hectares de soja ou cana de açúcar, ou os dois. Estas monoculturas vêm homogeneizando as espécies, eliminado a competição biológica e fazendo proliferar as espécies dominantes [que outrora faziam parte de um ecossistema equilibrado], mas que hoje se transformaram em grandes vilãs, as pragas. A retirada da vegetação original faz com que centenas de microrganismos do solo se extinguissem. A ocupação do ecossistema por gramíneas e leguminosas invasoras tem também desequilibrado, substancialmente, o ecossistema e aumentado o número de pragas, tem certos locais que, mesmo os frutos originais do Cerrado têm perdido seu sabor delicado e original, para se transformar em espécies geneticamente modificadas em laboratório.

Diante disso, eu reafirmo que o nosso Cerrado é totalmente injustiçado com a marginalidade que lhe foi (é) imposta pelas novas tecnologias do campo, voltadas exclusivamente para o agronegócio e a agroindústria. Assim, nunca devemos nos esquecer de que este bioma, sustentáculo de um solo ácido (rico em alumínio), uma vegetação composta por espécies de troncos e galhos tortuosos e retorcidos, de folhas ásperas, de raízes profundas e adaptadas à captação de água em grandes profundidades, na verdade, trata-se do mesmo ecossistema que abriga em suas entranhas o Guarani, um dos maiores reservatórios de água subterrânea do mundo.  Trata-se do mesmo bioma que abriga em suas encostas um gigantesco mosaico de nascentes dos principais rios do continente sul americano, constituindo-se, desta forma, na grande caixa d’água de nosso continente. O mesmo Cerrado que, para muitos, trata-se somente de um ecossistema secundário e “feio” nos mostra sua adaptação milenar às condições adversas de temperatura e mudanças climáticas. Ao mesmo tempo sua vegetação ostenta flores extremamente belas pela sua singeleza e simplicidade. Neste sentido, este artigo visa a homenagear o nosso Cerrado que, para quem admira a natureza como “uma senhora muito experiente e extremamente sábia”, que soube construir um ecossistema simples, rico e belo não somente na aparência, mas, sobretudo, na profundidade infinitamente exuberante na essência. Sou cerradeiro, nasci no Cerrado e nele hei de descansar por toda a eternidade.

Referências  

FONSECA, Valter Machado da; BRAGA, Sandra Rodrigues. O Cerrado e o desafio da sustentabilidade. II Encontro dos povos do Cerrado. UNIMONTES, Pirapora (MG): 2004. CD-ROM (anais)  

______. O Cerrado brasileiro: a biodiversidade ameaçada. III Encontro dos povos do Cerrado. UNIMONTES, Pirapora (MG): 2004. CD-ROM (anais)

FONSECA, Valter Machado da. Cerrado Brasileiro: Estado de conservação, Fronteira Agrícola e unidades de conservação. Periódico Científico Fórum Ambiental da Alta Paulista, UNESP, Tupã (SP): ANAP, 2008, p.40-66.  


* Técnico em Mineração e Geólogo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP/MG), Geógrafo, Mestre e doutorando pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU/MG). É professor dos cursos de Engenharias de Produção, Civil e Ambiental da Universidade de Uberaba (UNIUBE). É diretor da Associação dos Geógrafos Brasileiros, seção Uberaba – AGB/Uberaba. Possui inúmeros trabalhos relativos às áreas de Educação, Geografia e Geociências, publicadas em anais de Congressos e Seminários nacionais e internacionais, além de vários artigos publicados em periódicos científicos. É pesquisador das áreas de “Alterações Climáticas” e “Impactos socioambientais das monoculturas sobre os ecossistemas terrestres e aquáticos”. É membro-fundador e coordenador do Núcleo de Estudos em Educação, Filosofia e Ciências Sociais do Triângulo Mineiro (NEEFICS). É autor dos livros: “A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA PÚBLICA: entrelaçando saberes, unificando conteúdos” (2009), “ENTRE O AMBIENTE E AS CIÊNCIAS HUMANAS: artigos escolhidos, ideias compartilhadas” (2010) e “O SUJEITO & O OBJETO: educação e outros ensaios” (2010).

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