Cerrado: Bairro rural de Peirópolis - Uberaba/MG. Fonte: Arquivo do autor (2011). |
Prof. Ms. Valter Machado da Fonseca*
Meus caros (as) leitores (as)!
Falar do Cerrado brasileiro já está ficando algo apaixonante. Falar do nosso Cerrado já não é apenas uma questão de homenagem a um bioma ímpar com características singulares, mas, sobretudo, trata-se de uma necessidade urgente, diante do quadro altamente preocupante que se desenha para este valiosíssimo bioma.
Dias atrás, eu comentava com colegas professores, que também compartilham dessa preocupação com o futuro incerto do nosso Cerrado, que sinto saudades dos tempos de outrora, tempos de criança, onde podíamos correr livremente pelo Campo em busca de aventuras, comuns no imaginário de crianças e adolescentes. Lembrávamo-nos da flora e da fauna características do bioma. Em especial dos frutos silvestres como a gabiroba, o Araçá, o Murici, a goiabinha do mato, o araticum silvestre, o gravatá (uma flor de excelente sabor e que fazia parte da culinária cerradeira), o bacupari, o jambo do Cerrado, do pequi, do jenipapo. Lembrávamos ainda dos condimentos como o açafrão, a pimenta do brejo, além de palmitos com a guariroba (uma espécie de palmito amargo). A tabela abaixo, demonstra a riqueza florística do Cerrado.
Uso | Exemplares |
Alimentício | Pequi; palmito guariroba. |
Condimentar, aromatizante e corante | Pimenta-de-macaco; canela-batalha (condimentos); baunilha e o arcassu (aromatizantes); açafrão-do-cerrado (corante) |
Têxtil | Sementes, folhas e entre-casca: plantas dos gêneros Chorisia, Eriotheca, Pseudobombax, Mauritia, Attalea, Xylopia, Luehea e Guazuma. |
Corticeiro | Pau-santo, mama-de-porca, cervejinha, tamboril-do-cerrado; fruta-de-papagaio |
Tanífero | Barbatimão; angico; carvoeiro; acácia-negra |
Exsudato (resina, goma, bálsamo e látex) | Jatobá; breu, laranjinha-do-campo (resina); Vochysia sp., angicovermelho, aroeira (gomeiras); bálsamo, cabreúva, copaíba, ou pau-d'óleo (bálsamo); mangabeira, Himatanthus obovatus, leiteiro, algumas espécies de Ficus (látex) |
Produção de óleos e gorduras | Babaçu, macaúba, pequi |
Medicinal | Poaia, arnica |
Ornamental | Ervas, samambaias e avencas, até o jequitibá e o tamboril da mata; as quaresmeiras, os ipês, e a guariroba. |
Artesanal | Flores, sementes e folhas de mais de 100 espécies. |
Apícola | Diversas espécies usadas pelas abelhas |
Aparentado de cultivos comerciais | Anacardium (caju), Manihot (mandioca), Ananas (abacaxi), Annona (ata, pinha), Dioscorea (cará), Diospyrus (caqui), Psidium (goiaba), Passiflora (maracujá), Arachis (amendoim) e Pauilinia (guaraná) |
Observem que os destaques da tabela não chegam a 2% das espécies que compõem o nosso Cerrado. Das centenas de espécies nativas do Cerrado, cerca de, apenas 20% têm o princípio ativo conhecido.
Quanta falta nos fazem as diversas espécies de madeira de lei, como o Jatobá, a aroeira, o Jacarandá, o Pau Ferro, a cerejinha, dentre outras espécies que, paulatinamente vão sumindo da paisagem do Cerrado. Lembrávamos ainda de diversas espécies de aves do Cerrado, a exemplo do pintassilgo, do azulão, dos papa-capins, dos periquitos do Cerrado, das Seriemas, do Canário da Terra.
Hoje, quando passamos nas autoestradas que cortam o bioma vemos milhares e milhares de hectares de soja ou cana de açúcar, ou os dois. Estas monoculturas vêm homogeneizando as espécies, eliminado a competição biológica e fazendo proliferar as espécies dominantes [que outrora faziam parte de um ecossistema equilibrado], mas que hoje se transformaram em grandes vilãs, as pragas. A retirada da vegetação original faz com que centenas de microrganismos do solo se extinguissem. A ocupação do ecossistema por gramíneas e leguminosas invasoras tem também desequilibrado, substancialmente, o ecossistema e aumentado o número de pragas, tem certos locais que, mesmo os frutos originais do Cerrado têm perdido seu sabor delicado e original, para se transformar em espécies geneticamente modificadas em laboratório.
Diante disso, eu reafirmo que o nosso Cerrado é totalmente injustiçado com a marginalidade que lhe foi (é) imposta pelas novas tecnologias do campo, voltadas exclusivamente para o agronegócio e a agroindústria. Assim, nunca devemos nos esquecer de que este bioma, sustentáculo de um solo ácido (rico em alumínio), uma vegetação composta por espécies de troncos e galhos tortuosos e retorcidos, de folhas ásperas, de raízes profundas e adaptadas à captação de água em grandes profundidades, na verdade, trata-se do mesmo ecossistema que abriga em suas entranhas o Guarani, um dos maiores reservatórios de água subterrânea do mundo. Trata-se do mesmo bioma que abriga em suas encostas um gigantesco mosaico de nascentes dos principais rios do continente sul americano, constituindo-se, desta forma, na grande caixa d’água de nosso continente. O mesmo Cerrado que, para muitos, trata-se somente de um ecossistema secundário e “feio” nos mostra sua adaptação milenar às condições adversas de temperatura e mudanças climáticas. Ao mesmo tempo sua vegetação ostenta flores extremamente belas pela sua singeleza e simplicidade. Neste sentido, este artigo visa a homenagear o nosso Cerrado que, para quem admira a natureza como “uma senhora muito experiente e extremamente sábia”, que soube construir um ecossistema simples, rico e belo não somente na aparência, mas, sobretudo, na profundidade infinitamente exuberante na essência. Sou cerradeiro, nasci no Cerrado e nele hei de descansar por toda a eternidade.
Referências
FONSECA, Valter Machado da; BRAGA, Sandra Rodrigues. O Cerrado e o desafio da sustentabilidade. II Encontro dos povos do Cerrado. UNIMONTES, Pirapora (MG): 2004. CD-ROM (anais)
______. O Cerrado brasileiro: a biodiversidade ameaçada. III Encontro dos povos do Cerrado. UNIMONTES, Pirapora (MG): 2004. CD-ROM (anais)
FONSECA, Valter Machado da. Cerrado Brasileiro: Estado de conservação, Fronteira Agrícola e unidades de conservação. Periódico Científico Fórum Ambiental da Alta Paulista, UNESP, Tupã (SP): ANAP, 2008, p.40-66.
* Técnico em Mineração e Geólogo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP/MG), Geógrafo, Mestre e doutorando pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU/MG). É professor dos cursos de Engenharias de Produção, Civil e Ambiental da Universidade de Uberaba (UNIUBE). É diretor da Associação dos Geógrafos Brasileiros, seção Uberaba – AGB/Uberaba. Possui inúmeros trabalhos relativos às áreas de Educação, Geografia e Geociências, publicadas em anais de Congressos e Seminários nacionais e internacionais, além de vários artigos publicados em periódicos científicos. É pesquisador das áreas de “Alterações Climáticas” e “Impactos socioambientais das monoculturas sobre os ecossistemas terrestres e aquáticos”. É membro-fundador e coordenador do Núcleo de Estudos em Educação, Filosofia e Ciências Sociais do Triângulo Mineiro (NEEFICS). É autor dos livros: “A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA PÚBLICA: entrelaçando saberes, unificando conteúdos” (2009), “ENTRE O AMBIENTE E AS CIÊNCIAS HUMANAS: artigos escolhidos, ideias compartilhadas” (2010) e “O SUJEITO & O OBJETO: educação e outros ensaios” (2010).
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